
Por Francis Ivanovich
Você morreu. Não se lembra como. Agora é um fantasma. Pergunta-se como isso se deu. A princípio você achou divertido ser imperceptível aos vivos. Engraçado mesmo. Principalmente ao testemunhar seu pequenos pecados, luxúrias, ao vagar pela cidade ou pelos dormitórios da noite. No entanto, com o passar do tempo, descobre que a vida de um fantasma é extremamente penosa.
O tempo todo está consigo, falando sozinho, reinventando-se, numa espécie de prisão sem grades, eterna, impossível de fuga, semelhante ao labirinto de Creta. Viver como fantasma, é o mesmo que jamais ter existido. No entanto, vez por outra, você, como fantasma, ouve algum vivo invocar seu nome, tirar a poeira de uma pequena lembrança. Essas invocações não são raras. Os vivos tratam melhor os mortos dos que ainda respiram. É compreensível. Os mortos não nos fazem mal algum.
Ao pronunciarem nossos nomes, os vivos aliviam suas dores e rancores. Todo morto, de certa forma, é uma pedra de gelo. Ao ouvirmos nosso nome de batismo, voamos velozmente para o lugar do reencontro, na esperança de contato humano. Ao chegarmos, somos outra vez o que somos, fantasma, enterrados no absoluto silêncio, cultivado na sepultura dos anos. Quando vivos, é certo, que muitas vezes somos tratados como um morto-vivo, um ninguém. Não é verdade?
Sofremos calúnias, injustiças, traições e ingratidão. É quando nossa alma balança à beira do penhasco de Megara, onde Sciron, o detestável bandido, empurra os ingênuos viajantes para a morte. Essas feridas, por vezes incicatrizáveis, podem causar sérios danos ao nosso destino. Caso isso ocorra, você estará perdido.
Descobrirá, tardiamente, que o maior perigo para um vivo não é a morte, mas o esquecimento. Este sim, o efeito primordial nascido de uma ferida, que talvez seja capaz de te transformar num espectro de si mesmo.