Por Francis Ivanovich:

A foto que reproduzo acima, é do Sr. Miguel. Envio mensagem para Rosana Santos, proprietária do Bar Luiz, a fim de saber um pouco sobre ele. Rosana me diz que “foi o melhor chopeiro que o bar já teve! Ele segurava três copos em uma das mãos, com a outra mantinha a torneira aberta, enchendo os copos com um chopp que saía rebolando, com um colarinho perfeito!”.
A declaração de Rosana me faz pensar sobre esses maravilhosos personagens atrás do balcão dos restaurantes, bares e cafés pelo mundo afora. Não esqueço a primeira vez que fui ao La Coupole, em Paris.
(Alerto, não é pedantismo, tem a ver com o Sr. Miguel).
Estava acompanhado por dois queridos amigos, (o jornalista Paulo Virgílio Preard e o ator Paulo Vieira), sabíamos que naquele histórico restaurante, localizado no Boulevard Montparnasse, figuras míticas tais como Sartre, Simone de Beauvoir, Michel Simon, Edith Piaf, Jacques Prévert, Picasso, Camus, entre outros, eram frequentadores assíduos.
Nesse dia, conhecemos o Maitre Jean. Ele amava a língua portuguesa, tanto que a estudava por conta própria. Que maravilha! Conversou conosco em português a noite inteira, nos aconselhou pratos e bebidas. Desconfio que fomos a mesa que mais deu atenção. Parecíamos pessoas muito importantes. Esqueci que estava num templo de celebridades, me sentia num restaurante em Vila Madalena, São Paulo.
Chego à questão do Sr. Miguel, atrás do balcão. Geralmente valorizamos uma casa pela sua frequência. O próprio Bar Luiz recebeu nomes importantes da Cultura e vida pública brasileira. Em suas mesas sentaram-se escritores, políticos, artistas, intelectuais, e gente comum. No entanto, precisamos nos lembrar, sempre, que se não existissem Sr. Miguel e Maitre Jean, jamais nos sentiríamos completos, e retornaríamos ao lugar.
Eles sim são as celebridades, os artistas que nos brindam com sua competência, gentileza e amor ao ofício. Não há nada mais prazeroso do que ser acolhido por alguém que você percebe que ama o que faz. Não há nada mais azedo, do que ser servido à mesa por alguém que parece ter declarado guerra ao mundo. Nos tira o apetite. A garganta fica seca.
Considero o Sr. Miguel um artista. A descrição feita por Rosana Santos sobre a retirada do chopp, é pura Física, Matemática, Dança, Poesia, Moda, Vida. Alguém que detestasse tirar centenas de chopp por dia, certamente quebraria centenas de copos por mês, o colarinho se apresentaria esgarçado, feito num alfaiate infeliz.
O Sr. Miguel é Einstein, Pitágoras, Baryshnikov, Vinicius de Moraes, Chanel. Sem essas inesquecíveis pessoas atrás do balcão, nossos dias neste mundo seriam mais difíceis. Na fotografia, o Sr. Miguel parece ser surpreendido pelo fotógrafo. Aparentemente girou a cabeça, desconfiado, na direção da lente, enquanto regia a orquestra de vidro e espuma. O bigode lhe confere altivez e elegância. O Sr. Miguel é um brasileiro de verdade, sem mentiras e bandeirinhas.
No próximo domingo, 19 de dezembro, a partir das 14 horas, acontece o #FicaBarLuiz. Acontece roda de samba em prol da recuperação da choperia mais tradicional do país. A Bateria da Estácio, sob regência do Mestre Chuvisco, vai tremer as paredes e o coração do querido Luiz. A Rua da Carioca, que anda tão triste, vai sorrir outra vez.
Nesse dia, vale a gente se lembrar do Sr. Miguel, que se aposentou no Bar Luiz e já partiu deste mundo. Certamente ele e muitos colaboradores merecem a homenagem, pois dão alma à essa casa repleta de personagens, história e amizade.
Só podemos desejar Fica pra sempre Sr. Miguel!
*Francis Ivanovich é jornalista, dramaturgo, diretor de teatro e cinema.