por Francis Ivanovich.
Quantas músicas você conhece sobre a chuva? A mais famosa da história do cinema é “Cantando na chuva” (1952), com o incrível Gene Kelly; a segunda música que imediatamente recordo é “Chove Chuva”, de Jorge Bem Jor; a terceira que me vem à cabeça, sob o guarda-chuva, é “Crônicas”, na voz de Adriana Calcanhoto quando ela nos lembra que “cariocas não gostam de dias nublados”.
A chuva é o assunto do momento nas rodas de conversas por todo o Rio de Janeiro. Os cariocas olham incrédulos para os céus. Há quem brinque que mudou-se para Londres, onde o cinza fez morada. A chuva altera a alma do Rio e respinga no humor do carioca. Tenho uma amiga moradora do Leme, amante da praia, que está vivendo dias difíceis. Não suporta este aguaceiro levemente adornado por uma estampa fria. Assim como ela, milhares de cariocas da gema ou por adoção estão sofrendo.
Em pleno novembro, quando os termômetros na cidade já estariam subindo como lava de vulcão, vemos pelas ruas um balé de guarda-chuvas, como uma plantação de flores alienígenas bailando sob as águas. Tive o privilégio de visitar São Paulo neste último feriado, o de finados, para ver a trigésima quarta Bienal de São Paulo. Pasmem cariocas, reencontrei o sol na terra da garoa. Passei até vergonha. Andei pelas ruas paulistanas carregando um inútil e pesado casaco. Ao saberem que eu era do Rio, até duvidavam.
Outra perspectiva interessante foi ver as nuvens sobre o Rio da janela do avião. Lá estava o Rei Sol firme, poderoso, brilhante. Isto nos faz refletir sobre a nossa própria vida. Apesar das nuvens pesarosas, por vezes assustadoras, dessas quer anunciam tempestades, é preciso que nos lembremos que sobre elas há uma estrela que levará bilhões de anos para se apagar. As nuvens são passageiras, como nos canta Hermes Aquino em sua clássica canção “Nuvem Passageira”, de 1976.
Escrevo esta crônica ao lado da minha molhada janela, onde gotículas granularam a paisagem e a linda amendoeira. Noto que suas folhas estão pulsando um verde repleto de vida, que chega a doer os olhos. Não duvido que esta árvore, que deve beirar uns 50 anos de vida, está sorrindo sob a chuva.
Logo a chuvarada vai passar. A música que ouviremos será bem diferente: “Rio 40 graus” na voz carioquíssima de Fernanda Abreu. Será então que nos lembraremos da primavera chuvosa e histórica de 2021, quando perdemos Nelson Freire, artista que nos fazia chorar de alegria ao ouvir o canto do seu piano. Recordaremos desses dias quando choveram músicas sobre nossos encharcados corações.