Velhofobia!

Por Francis Ivanovich

A Dama de Baco: na foto, o ator Chon Moo-Songy e a grande atriz Youn Yuh-jung.

Ontem vi uma obra-prima do cinema: A Dama de Baco, do diretor E J-Yong, realização sul coreana de 2016, que estreou na Plataforma MUBI, estrelado por Youn Yuh-jung, para mim uma das maiores atrizes da história do cinema contemporâneo.

Raramente vemos uma atriz como ela, com uma interpretação que possui tantas camadas, matizes, sutilezas. Youn Yuh-jung atinge a perfeição na atuação, sem exagero, e seu papel é um dos mais difíceis.

Ela interpreta a velha So-young que ganha a vida como prostituta num parque público de Seul, a exemplo do que temos no Rio ou em São Paulo, como o Campo de Santana, pertinho da Central do Brasil.

A personagem vai ao hospital devido a uma doença sexualmente transmissível, e lá presencia seu médico sofrer uma tentativa de homicídio, situação que a coloca diante de um menino filipino que é vítima do incidente. Ela passa a cuidar desse garoto em sua casa, numa vila onde divide espaço com um artista trans e um jovem desempregado e que tem uma perna amputada.

Este filme mostra a verdadeira Coréia, com sua desigualdade social, injustiças, uma sociedade que mergulhou de cabeça no capitalismo e colhe seus amargos frutos. No entanto, este não é o tema central da obra, o filme discute é a invisibilidade da velhice.

Este tema tem ocupado minha mente há algum tempo, talvez porque eu esteja envelhecendo, talvez. Em 2014-15 escrevi e encenei no Teatro Solar de Botafogo uma peça teatral chamada Morada dos Ossos, que já discutia a velhice. A peça é baseada num fato real ocorrido em Portugal:

Ao entrar em um apartamento abandonado, que tinha arrematado em um leilão, o novo proprietário encontra no local os esqueletos de uma idosa e de seu cão. Eram os antigos moradores do apartamento. Os dois viviam lá em completo isolamento e foram vistos pela última vez pelos vizinhos há nove anos.

Em A Dama de Baco vemos o que ocorre na sociedade, seja ela ocidental ou oriental, quando ficamos velhos. Nos tornamos invisíveis, como se não estivéssemos mais participando da vida. Grande parte das famílias esquecem seus velhos ou os depositam em abrigos. Isto se eles não são o sustento da casa, se assim o for, são tolerados e usados até o último dia de sua vida.

A Dama de Baco é um filme perfeito. O roteiro, direção, atuação, fotografia, som, compõem um desses raros momentos mágicos do Cinema com C maiúsculo. A temática é tratada sem sentimentalismos, apelo fácil, mas com inteligência, sensibilidade e profundidade, com diálogos que são poesia.

A vida, a velhice, a morte como são diante dos nossos olhos, que nos faz refletir, nos alertando sobre o nosso destino, a velhice.

Alguns povos indígenas e africanos admiram e respeitam as pessoas mais velhas por elas serem consideradas fonte de conhecimento e sabedoria. Infelizmente no Brasil e em muitos países a “velhofobia” é uma realidade. Ser velho é quase um crime.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o idoso é todo indivíduo com 60 anos ou mais. O Brasil tem cerca de 29 milhões de pessoas nessa faixa etária, número que representa 13% da população do país. E esse percentual tende a dobrar nas próximas décadas, segundo a Projeção da População, divulgada em 2018 pelo IBGE.

Faço 58 anos em novembro próximo, já sinto na pele o que a sociedade reserva aos mais velhos. Olho no espelho e digo: “Estou velho!”, no entanto, dentro de mim sinto uma grande energia para criar, a sensação clara de que há muito a fazer. O jeito é resistir e existir a essa velhofobia estúpida!

A Dama de Baco é interpretada pela genial atriz Youn Yuh-jung, com mais de 74 anos. Recentemente nossa grande dama do teatro, Fernanda Montenegro completou 90 anos. Preciso dizer mais alguma coisa?

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