O Sonâmbulo

Foto por Luis Quintero em Pexels.com

A sonolência é o sintoma que mais me aflige. Sou um caçador da vigília. Ao dormir, nos perdemos, entramos numa espécie de nada, estamos à mercê do que chamamos sonho. Chamo-o resquício do ontem. O ontem que é o eterno sonho. Os rostos, lugares, o que vivemos, tudo é ontem, tudo é sonho. Suspeito que a vida seja sonho e o agora é cansaço.

As pessoas que você pensar ter conhecido, vivido, amado, talvez não tenham nem existido. Como explicar as imagens que se diluem dentro de nós, se fragmentam, tornando-se um borrão, uma sensação, com o passar do tempo? Como sonhos.

O sono é ensaio da morte, cuja agonia é a lembrança e a saudade. Saudade daquilo que sonhamos ou pensamos ter vivido um dia, no ontem, esse eterno sono. Sonhar dói. Dói na retina, na alma sonhadora. Sonhar é tentar não sofrer a ausência, tocar outra vez o que nem existiu, porque tudo é sonho e o tempo é um pijama listado de prisioneiro.

Somos este prisioneiro de um sonho doloroso. Uma saudade, uma lembrança que se desconfigura e não se apaga, se apega, entranha. Somos esponjas sonhadoras, absorvendo o nada que pensamos ser o tudo.

 O sonho é isto, uma ilusão compensadora, recompensa de quem sofre do eterno sono injusto. Sonhos bons, sonhos maus, devaneios, pesadelos. O desejo dormir com anjos e despertar humano.

Ao amanhecer, nos vemos ao espelho do tempo, esse simulacro da vida, e nos deparamos com olhos cerrados, a baba que ainda escorre em lágrimas, a constatação da fuga impossível da finitude do instante.

Na janela temos duas paisagens. Noite e dia. Escuridão e luz. Iludidos, mas conscientes, abrimos a porta de casa, saímos à rua, sentimos o sol no rosto e, mesmo dormindo para sempre, sonhando para sempre, a gente prossegue sonâmbulos de esperança.

Bom dia, do sonâmbulo Francis Ivanovich.

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